Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

XTERIORS XVII

  Desirée Dolron
Mensagens recentes

Princípios

Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa. Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver. Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor. Nuno Júdice

XTERIORS XI

  Desirée Dolron

Uns cegos, outros surdos

gritas, gritam até que o outro ensurdeça,  até que fique com os pés presos na lama e se esgote. gritas, gritam palavras e frases de uma ordem estéril que nos matará. rasgam os pulmões com cânticos, alucinados,  com uma narrativa estúpida de quem nos crê estúpidos...e seremos? rangem os dentes,  soltam os caninos e farejam a hesitação com o dedo no gatilho, lambem-nos o medo na pele... abrem as gargantas de onde saem línguas como canos apontados ao nosso cérebro,  línguas sibilantes num hálito de enxofre, numa infindável oratória que nos queima a pele, nos rompe a mente. destroem o silêncio. gritam que somos vítimas,  as suas vítimas,  as legítimas,  enquanto desviam o olhar e fecham as órbitas embaciadas para que a realidade não os capture. gritam, gritam e gritam pois enquanto gritam não param,  não pensam, não deixam que ninguém pare, e ninguém pensa. embalam os corações nas bandeiras e nos hinos para conseguirem adormecer,  para que o sono lhes sussurre que são anjos e que a trinche

XTERIORS IV

Desirée Dolron

A minha morte não ta dou

A minha morte, não ta dou.  De resto, tiveste tudo  - a flor, a sesta, o lusco-fusco,  a inquietação do dia 8,  as órbitas das mães, das mãos,  das curiosas palavras de não dizer nadinha.  Tudo tiveste: estás contente?  Feliz assim por teres tudo o que sou?  Feliz por perderes tudo o que sei?  Só não te dou o que não serei.  Não, a minha morte, não ta dou.  Pedro Tamen
Bert Hardy  

Assim seja

O dia fica para trás, mal consumido e já inútil. Começa a grande luz, todas as portas se abrem diante de um homem adormecido, o tempo é uma árvore que não para de crescer. O tempo, a grande porta entreaberta, o astro que cega. Não é com os olhos que se vê nascer essa gota de luz que será, que foi um dia. Canta abelha, sem pressa, percorre o labirinto iluminado, de festa. Respira e canta. Onde tudo termina abre as asas. És o sol, o aguilhão da aurora, o mar que beija as montanhas, a claridade total, o sonho. Blanca Varela

Aqueronte

Não sei que barco tomar quando estou na margem do teu corpo... Pedro Freitas

The Seal Lullaby

VOCES8, Eric Whitacre  Eric Whitacre, Christopher Glynn   

É este o dia anunciado, a hora da desesperança!

É este o dia anunciado, a hora da desesperança! Expulsos de um tempo julgado sem fim, onde os corpos se banharam indolentes e incautos, procuramos em vão, de novo, o caminho...sem um fio de luz, sem alento, sem consolo. Os teus olhos, os meus olhos, os nossos olhos quase cegos choram, tardiamente, a memória ardida, prostrados perante as etéreas cinzas que de nós se apartam. É esta a manhã negra do nosso desalento! Afastados da vida, num devir atormentado que nos lança as presas onde já não há carne,  resta-nos cumprir a pena aceitando-a como um bálsamo. Os meus braços, os teus braços, os nossos abraços esmagados, ameaçados, extintos, são as estátuas de pedra que tomam agora o lugar das árvores caídas. São estas as criaturas inumadas em que nos transfigurámos! E assim, levianos, soterrados no sedimento do nosso desânimo, ora resignados, ora alarmados, seguimos...com a granada dentro do peito. [ alma ]