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Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2006

Aqui nesta praia | 14

Femmes sur la plage,  Edouard Manet

Venho de dentro, abriu-se a porta...

Venho de dentro, abriu-se a porta: nem todas as horas do dia e da noite me darão para olhar de nascente a poente e pelo meio as ilhas. Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo de só imaginá-la a luz fulmina-me, na outra face ainda é sombra Banhos de sol nas primeiras areias da manhã Mansidões na pele e do labirinto só a convulsa circunvolução do corpo. Luiza Neto Jorge

Domingo no mundo | 2

As irmãs e seus cães Karina www.olhares.com

Getting ready

Cheng Yuanan

A Casa do Mundo

Aquilo que às vezes parece um sinal no rosto é a casa do mundo é um armário poderoso com tecidos sanguíneos guardados e a sua tribo de portas sensíveis. Cheira a teias eróticas. Arca delirante arca sobre o cheiro a mar de amar. Mar fresco. Muros romanos. Toda a música. O corredor lembra uma corda suspensa entre os Pirinéus, as janelas entre faces gregas. Janelas que cheiram ao ar de fora à núpcia do ar com a casa ardente. Luzindo cheguei à porta. Interrompo os objetos de família, atiro-lhes a porta. Acendo os interruptores, acendo a interrupção, as novas paisagens têm cabeça, a luz é uma pintura clara, mais claramente lembro: uma porta, um armário, aquela casa. Um espelho verde de face oval é que parece uma lata de conservas dilatada com um tubarão a revirar-se no estômago no fígado, nos rins, nos tecidos sangúíneos. É a casa do mundo: desaparece em seguida. Luiza Neto Jorge

Domingo no mundo | 1

Girl @ Floating Village Zhang Jie (People in Cambodia) www.pbase.com/zhangjie

Domingo no mundo

(...) Hoje vais crescer pra lá do teu tamanho o cansaço é tamanho… mas talvez amanhã seja domingo no mundo e tudo bata certo nem que por um segundo fogo de artifício explodiria se fosse assim p´ra sempre um dia (...) Sérgio Godinho

Sophia

Da lusitana antiga fidalguia um dizer claro e justo e franco uma concreta e certa geometria uma estética do branco debruado de azul. Sua escrita é de nau e singradura e há nela o mar o mapa a maravilha. Sophia lê-se como quem procura a ilha sempre mais ao sul. Manuel Alegre

Um dia

Um dia, gastos, voltaremos A viver livres como os animais E mesmo tão cansados floriremos Irmãos vivos do mar e dos pinhais. O vento levará os mil cansaços Dos gestos agitados irreais E há-de voltar aos nosso membros lassos A leve rapidez dos animais. Só então poderemos caminhar Através do mistério que se embala No verde dos pinhais na voz do mar E em nós germinará a sua fala. Sophia de Mello Breyner Andresen

Pátria

Por um país de pedra e vento duro Por um país de luz perfeita e clara Pelo negro da terra e pelo branco do muro Pelos rostos de silêncio e de paciência Que a miséria longamente desenhou Rente aos ossos com toda a exactidão Dum longo relatório irrecusável E pelos rostos iguais ao sol e ao vento E pela limpidez das tão amadas Palavras sempre ditas com paixão Pela cor e pelo peso das palavras Pelo concreto silêncio limpo das palavras Donde se erguem as coisas nomeadas Pela nudez das palavras deslumbradas - Pedra rio vento casa Pranto dia canto alento Espaço raiz e água Ó minha pátria e meu centro Me dói a lua me soluça o mar E o exílio se inscreve em pleno tempo Sophia de Mello Breyner Andresen

Aqui nesta praia | 13

Two Women on the Beach,  Paul Hull Julian

Aqui nesta praia | 12

Femmes sur la plage,  Joan Miró

O poema

O poema me levará no tempo Quando eu já não for eu E passarei sozinha Entre as mãos de quem lê O poema alguém o dirá Às searas Sua passagem se confundirá Como rumor do mar com o passar do vento O poema habitará O espaço mais concreto e mais atento No ar claro nas tardes transparentes Suas sílabas redondas (Ó antigas ó longas Eternas tardes lisas) Mesmo que eu morra o poema encontrará Uma praia onde quebrar as suas ondas E entre quatro paredes densas De funda e devorada solidão Alguém seu próprio ser confundirá Com o poema no tempo Sophia de Mello Breyner Andresen

Aqui nesta praia | 11

Women on the beach,  Sharon Wilson

Manuel Bandeira

Este poeta está Do outro lado do mar Mas reconheço a sua voz há muitos anos E digo ao silêncio os seus versos devagar Relembrando O antigo jovem tempo tempo quando Pelos sombrios corredores da casa antiga Nas solenes penumbras do silêncio Eu recitava "As três mulheres do sabonete Araxá" E minha avó se espantava Manuel Bandeira era o maior espanto da minha avó Quando em manhãs intactas e perdidas No quarto já então pleno de futura Saudade Eu lia A canção do "Trem de ferro" E o "Poema do beco" Tempo antigo lembrança demorada Quando deixei uma tesoura esquecida nos ramos da cerejeira Quando Me sentava nos bancos pintados de fresco E no Junho inquieto e transparente As três mulheres do sabonete Araxá Me acompanhavam Tão visíveis Que um eléctrico amarelo as decepava Estes poemas caminharam comigo e com a brisa Nos passeados campos da minha juventude Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu ombro E foram parte do tempo respirado. Sophia de Mello Breyner Andre

I Vow to Thee, My Country

A propósito da suite Os Planetas de Gustav Holst... I vow to thee, my country, all earthly things above, Entire and whole and perfect, the service of my love; The love that asks no question, the love that stands the test, That lays upon the altar the dearest and the best; The love that never falters, the love that pays the price, The love that makes undaunted the final sacrifice. And there's another country, I've heard of long ago, Most dear to them that love her, most great to them that know; We may not count her armies, we may not see her King; Her fortress is a faithful heart, her pride is suffering; And soul by soul and silently her shining bounds increase, And her ways are ways of gentleness, and all her paths are peace. poema de Cecil Spring-Rice adicionado a Jupiter: The Bringer of Jollity

Aqui nesta praia | 10

Solitude, women at the beach,  Rita C. Ford

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. Manuel Bandeira

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que eu nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d`água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar - Lá sou amigo do rei - Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora

Poética

Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Manuel Bandeira

Aqui nesta praia | 9

Femmes de Tahiti sur la plage,  Paul Gauguin

Desencanto

Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre. Manuel Bandeira

Red & White

Cheng Yuanan

The door of the bird cage

Cheng Yuanan

Carlos Drummond de Andrade

Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo. Isto feito, louvo aquele Que ora chega aos sessent'anos E no meio de seus pares Prima pela qualidade: O poeta lúcido e límpido Que é Carlos Drummond de Andrade. Prima em Alguma Poesia , Prima no Brejo das Almas Prima em Rosa do Povo , No Sentimento do Mundo . (Lírico ou participante, Sempre é poeta de verdade Esse homem lépido e limpo Que é Carlos Drummond de Andrade). Como é o fazendeiro do ar, O obscuro enigma dos astros Intui, capta em claro enigma. Claro, alto e raro. De resto Ponteia em viola de bolso Inteiramente à vontade O poeta diverso e múltiplo Que é Carlos Drummond de Andrade. Louvo o Padre, o Filho, o Espírito Santo, e após outra Trindade Louvo: o homem, o poeta, o amigo Que é Carlos Drummond de Andrade. Manuel Bandeira

Fragmento de...

O Amor nos Tempos de Cólera de Gabriel Garcia Márquez "O comandante olhou para Fermina Daza e viu nas suas pestanas os primeiros pingos de um orvalho de Inverno. Depois olhou para Florentino Ariza, o seu domínio invencível, o seu amor impávido, e ficou assustado pela suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, que não tem limites."

Aqui nesta praia | 8

The Bathers,  Pablo Picasso

Entre o ser e as coisas

Onda e amor, onde amor, ando indagando ao largo vento e à rocha imperativa, e a tudo me arremesso, nesse quando amanhece frescor de coisa viva. As almas, não, as almas vão pairando, e, esquecendo a lição que já se esquiva, tornam amor humor, e vago e brando o que é de natureza corrosiva. N'água e na pedra amor deixa gravados seus hieróglifos e mensagens, suas verdades mais secretas e mais nuas. E nem os elementos encantados sabem do amor que os punge e que é, pungindo, uma fogueira a arder no dia findo. Carlos Drummond de Andrade

Safe Haven I

Eng Tay

Summer Poems

Eng Tay

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Carlos Drummond de Andrade

Aqui nesta praia | 7

Promenade on the beach,  Winslow Homer

Fragmento de...

A Formosa Pintura do Mundo de Frederico Lourenço "A tragédia grega ensina que o amor não deve atingir a própria medula da alma . Mas na vida de alguns de nós, de preferência uma única e irrepetível vez, a medula da alma é atingida pelo amor. Felizes os que sobrevivem."

Song of the boat

Zhu Yiyong Trocaria eu tudo por uma lanterna iluminada? Uma luz quente, luz mãe, que me aquecesse sem mais nada? Lanterna minha, meu tesouro, perdem-se já as vozes na rua... Mantém-te acesa noite dentro, a tua cor quente com a cor branca da Lua. Olho-te em sonhos, adormecida pelo mar, lanterna encantada luzes no meu espanto. Volta a maré e a marezia range na madeira do barco ao canto, e eu canto baixinho para que não se percam os espíritos, pois de volta mergulham, no último luar da noite.

Aqui nesta praia | 6

La playa,  Fernando Botero

Ao Lume da Água

Detinhamo-nos por entre a luz e o rumor da alegria, o som da erva e a brandura grave dos seus gestos. Tínhamos o sentido de tudo ao alcance de nossas mãos. Quase bastaria estendê-las e pousá-las na fria realidade, tomar-lhe o peso redondo, sentir-lhe a superfície apreensível. E, de repente, o negrume informe e espesso, o desmoronar vertiginoso da razão (Oh meu Amor, à beira da morte, tão perto da vida! Estremeces nos meus braços, levo na minha à tua boca a respiração indispensável, um ténue sopro alveolar. Estremeces, pequeno animal de ternura, teu único sentido alerta, no mais um opaco sono crepuscular. Gaivota surpreendida no cerne da tormenta, tenteias hesitante, vagarosamente, a frágil ponte lançada através da bruma. Permaneces equilibrada sobre o pavor e a ternura. Liga-nos uma acesa elipse de fogo, uma curva seminal apoiada em lábios, línguas, sexo e nos bornes da imaginação. Por aí circulamos, livres, esguios peixes líquidos deslizando em silêncio e penumbra. Amanhã não é, talve

Hot Summer V

Zheng Gang

Hot Summer IV

Zheng Gang

Hot Summer III

Zheng Gang

Hot Summer II

Zheng Gang

Hot Summer I

Zheng Gang

Do Desejo

(...) Se eu disser que vi um pássaro Sobre o teu sexo, deverias crer? E se não for verdade, em nada mudará o Universo. Se eu disser que o desejo é Eternidade Porque o instante arde interminável Deverias crer? E se não for verdade Tantos o disseram que talvez possa ser. No desejo nos vêm sofomanias, adornos Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro Voando sobre o Tejo. Por que não posso Pontilhar de inocência e poesia Ossos, sangue, carne, o agora E tudo isso em nós que se fará disforme? (...) Hilda Hilst

O abraço

Gustav Klimt

Poema para Hilda Hilst

Abro a folha da manhã Por entre espécies grã-finas Emerge de musselinas Hilda, estrela Aldebarã. Tanto vestido enfeitado Cobre e recobre de vez Sua preclara nudez Me sinto mui perturbado. Hilda girando boates Hilda fazendo chacrinha Hilda dos outros, não minha Coração que tanto bates. Mas chega o Natal e chama a ordem Hilda. Não vez que nesses teus giroflês Esqueces quem tanto te ama? Então Hilda, que é sab(ilda) Manda sua arma secreta: um beijo em morse ao poeta. Mas não me tapeias, Hilda. Esclareçamos o assunto. Nada de beijo postal No Distrito Federal o beijo é na boca e junto. Carlos Drummond de Andrade

Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero. Como se não te visse (favas douradas Sob um amarelo) assim te apreendo brusco Inamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas. Como se tudo o mais me permitisses, A mim me fotografo nuns portões de ferro Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima No dissoluto de toda despedida. Como se te perdesse nos trens, nas estações Ou contornando um círculo de águas Removente ave, assim te somo a mim: De redes e de anseios inundada. (...) Hilda Hilst

Do Desejo

(...) Colada à tua boca a minha desordem. O meu vasto querer. O incompossível se fazendo ordem. Colada à tua boca, mas descomedida Árdua Construtor de ilusões examino-te sôfrega Como se fosses morrer colado à minha boca. Como se fosse nascer E tu fosses o dia magnânimo Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer. (...) Hilda Hilst

Aqui nesta praia | 5

Seabreeze,  John Macdonald