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Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2006

Cardume

Nanã Sousa Dias www.olhares.com

Aqui nesta praia | 21

Veuve à la Plage,  Juarez Machado

Desejos Vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte Que ri e canta, a vastidão imensa! Eu queria ser a Pedra que não pensa, A pedra do caminho, rude e forte! Eu queria ser o Sol, a luz intensa, O bem do que é humilde e não tem sorte! Eu queria ser a árvore tosca e densa Que ri do mundo vão e até da morte! Mas o Mar também chora de tristeza… As árvores também, como quem reza, Abrem, aos Céus, os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia, Tem lágrimas de sangue na agonia! E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!... Florbela Espanca

Crónica feminina

estava nua, só um colar lhe dava horizontes de incêndio sobre o peito, a transmutar, num halo insatisfeito, a rosa de rubis em quente lava. estava nua e branca num estreito lençol que o fim do sono desdobrava e a noite era mais livre e a lua escrava e o mais breve pretérito imperfeito só o tempo verbal lhe fugiria, no alongar dos gestos e requebros, junto do espelho quando as aves vão. toda a nudez, toda a nudez, toda a melancolia a dor no mundo, a deslembrança, a febre, os olhos rasos de água e solidão. Vasco Graça Moura

À luz da lua | 3

Maternidade Almada Negreiros

Domingo no mundo | 8

Intimidades Fátima Condeço www.olhares.com

Não sei, Amor, se te consinto

Não sei, amor, sequer, se te consinto ou se te inventas, brilhas, adormeces nas palavras sem carne em que te minto a verdade intemida em que me esqueces. Não sei, amor, se as lavas do vulcão nos lavam, veras, ou se trocam tintas dos olhos ao cabelo ou coração de tudo e de ti mesma. Não que sintas outra coisa de mais que nos feneça; mas só não sei, amor, se tu não sabes que sei de certo a malha que nos teça, o vento que nos leves ou nos traves, a mão que te nos dê ou te nos peça, o princípio de sol que nos acabes. Pedro Tamen

Um fado, palavras minhas

Palavras que disseste e já não dizes, palavras como um sol que me queimava, olhos loucos de um vento que soprava em olhos que eram meus, e mais felizes. Palavras que disseste e que diziam segredos que eram lentas madrugadas, promessas imperfeitas, murmuradas enquanto os nossos beijos permitiam. Palavras que dizias, sem sentido, sem as quereres, mas só porque eram elas que traziam a calma das estrelas à noite que assomava ao meu ouvido... Palavras que não dizes, nem são tuas, que morreram, que em ti já não existem - que são minhas, só minhas, pois persistem na memória que arrasto pelas ruas. Pedro Tamen

Amar-te é vir de longe

Amar-te é vir de longe, descer o rio verde atrás de ti, abrir os braços longos desde os sete anos sobre a latada ao pé do largo, guardar o cheiro a figos vistos lá, a olho nú, ao pé, ao pé de ti, parar a beber água numa fonte, um acaso perdido no caminho onde os vimes me roçam a memória e te anunciam mãos e te perfazem; como se o sino à hora de tocar já fosse o tempo todo badalado, e a tua boca se abrisse atrás do tojo, e abaixo dos calções as pernas nuas se rasgassem só para o pequeno sangue, tal o pequeno preço que me pedes. Atrás da curva estavas, és, serias, nos muros de granito, nas amoras. Amar-te era lembrança e profecias, uma porta já feita para abrir, e encontrar o lar ou música lavada onde, se nasces, vives, duras, moras - meu nome exacto e pão no chão das alegrias. Pedro Tamen

Os Nautas

Para a Maria Gabriel Quando até sobre o tarde navegavam a luz que dentro vinha sobrepunha a lantejoula aguda de outro sol ao passo opaco, idêntico, cercando os braços intranquilos, a surpresa que só de pressentida lhes doía. Ao frio sal que sob os pés sentiam e à escuridão mais fundo, ao sonolento e bruto som da corda e da madeira, às dores de fome e ao gemido fraco duma saudade parda, à solidão sem espelho, à gula insaciada, ao medo — a tudo combatia uma paixão neles tão nova, nevoenta outrora, qual a de ver, de ver de olhos abertos até sentir no roçagar dos dedos, a mínima paisagem, mais total que os montes lerdos, pátrios e trocados: a crispação da vela, o peixe lento de súbito surgindo, ignotas flores, cores purulentas, vasto e escasso espaço para estrídulos pássaros abertos e outra vida mor, e ainda bruma que não sabem se é deste ou doutro sonho. Pedro Tamen

Domingo no mundo | 7

Intimidades II Fátima Condeço www.olhares.com

Soneto

Quem diz que Amor é falso ou enganoso, ligeiro, ingrato, vão, desconhecido, Sem falta lhe terá bem merecido Que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor é brando, é doce e é piedoso; Quem o contrário diz não seja crido: Seja por cego e apaixonado tido, E aos homens e inda aos deuses odioso. Se males faz Amor, em mi se vêem; Em mim mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras são de amor; Todos estes seus males são um bem, Que eu por todo outro bem não trocaria. Luís de Camões

Lamento por Diotima

O que vamos fazer amanhã neste caso de amor desesperado? ouvir música romântica ou trepar pelas paredes acima? amarfanhar-nos numa cadeira ou ficar fixamente diante de um copo de vinho ou de uma ravina? o que vamos fazer amanhã que não seja um ajuste de contas? o que vamos fazer amanhã do que mais se sonhou ou morreu? numa esquina talvez te atropelem, num relvado talvez me fuzilem o teu corpo talvez seja meu, mas que vamos fazer amanhã entre as árvores e a solidão? Vasco Graça Moura

Les amoureux de la Bastille

Willy Ronis

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical, espalha-se por todos nós com a mesma ignorância, o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos; ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais, surpreende o vigor, a plenitude das coxas masculinas, habituadas ao cansaço, separamo-nos, à procura de sinais mais fixos, e o circuito das chamas recomeça. é um país subtil, o olho franco das mulheres, há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento, os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro, morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas, viajar de navio de buenos aires a montevideu. esta é a viagem que não faremos nunca, soltos na minuciosa tarde dos lábios, ágil pobreza. permanentemente floresce o horizonte em colinas, os animais olham por dentro, cheios de vazio, como um ladrão de pouca perícia a luz desfaz devagarmente os corpos. ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida, para que seja alto e altivo o coração das coisas? até quando aguardarei, n

À luz da lua | 2

Vínculo Vital Martín Pescador

Os beijos de Doisneau

Le Baiser Rue Mazarin Le Baiser de l'Opera Le Baiser de L'Hotel de Ville Le bouquet de jonquilles

em folhas de acetato me proteges

em folhas de acetato me proteges floresço em avenida litoral breve serei semente um céu e a terra plantado azul e sopro de marés as palavras fechadas com o jeito que a boca tem ao ver-se retratada quase um sabor razão acidulada me persegues de nomes, me retratas igual ao branco hotel onde regressa a não lembrada sombra do verão e pousam de ouro em água o só engano breve das rosas e da neve despertadas. António Franco Alexandre

Nesta última tarde em que respiro

Nesta última tarde em que respiro A justa luz que nasce das palavras E no largo horizonte se dissipa Quantos segredos únicos, precisos, E que altiva promessa fica ardendo Na ausência interminável do teu rosto. Pois não posso dizer sequer que te amei nunca Senão em cada gesto e pensamento E dentro destes vagos vãos poemas; E já todos me ensinam em linguagem simples Que somos mera fábula, obscuramente Inventada na rima de um qualquer Cantor sem voz batendo no teclado; Desta falta de tempo, sorte, e jeito, Se faz noutro futuro o nosso encontro. António Franco Alexandre

Aqui nesta praia | 20

Praia de Cascais,  Carlos de Bragança (Rei de Portugal)

Rosa Meditativa

Salvador Dali

Entre o sono e o sonho

Entre o sono e o sonho, Entre mim e o que em mim me suponho, Corre um rio sem fim. Passou por outras margens, Diversas mais além, Naquelas várias viagens Que todo o rio tem. Chegou onde hoje habito A casa que hoje sou. Passa, se eu me medito; Se desperto, passou. E quem me sinto e morre No que me liga a mim Dorme onde o rio corre - Esse rio sem fim. Fernando Pessoa

Vacation - Family with Moon

Luke Allsbrook

Vacation - Pier with Storm

Luke Allsbrook

Edge of the Ocean

Luke Allsbrook

Vacation - Noon

Luke Allsbrook

Soneto do maior amor

Maior amor nem mais estranho existe Que o meu, que não sossega a coisa amada E quando a sente alegre, fica triste E se a vê descontente, dá risada. E que só fica em paz se lhe resiste O amado coração, e que se agrada Mais da eterna aventura em que persiste Que de uma vida mal-aventurada. Louco amor meu, que quando toca, fere E quando fere vibra, mas prefere Ferir a fenecer – e vive a esmo Fiel à sua lei de cada instante Desassombrado, doido, delirante Numa paixão de tudo e de si mesmo. Vinícius de Moraes

Claire de lune

Marc Chagall

Três Mulheres, poema a três vozes (II)

PRIMEIRA VOZ: Estou calma. Estou calma. A calma que se sente antes duma catástrofe: O minuto gélido antes do vento entrar, quando as folhas se reviram E mostram a sua palidez. Está tudo tão calmo aqui. Os lençóis, as faces lívidas e mudas, como relógios. Vozes que se afastam e esmorecem ao loge. Os seus hieróglifos Transformam-se em biombos de pergaminho lutando contra o vento. Os segredos que se pintam em árabe e chinês! Estou muda e escura. Sou uma semente prestes a explodir. A escuridão vem do meu eu morto e é taciturna: Não deseja ser mais, ou diferente. O crepúsculo cobre-me de azul, agora, qual Maria. Ó cor da distância e do esquecimento!- Quando virá o momento em que o Tempo pare E a eternidade o devore, e eu me afogue irremediavelmente? Falo comigo mesma, apenas comigo, separada de tudo - Esfregada com desinfectantes e lúgubre como para um sacrifício. A espera pesa-me nas pálpebras. Pesa-me como o sono, Como um imenso mar. Ao longe, muito ao longe, sinto a primeira onda Descarr

À luz da lua | 1

Hope I Gustav Klimt

Lua

Entre a terra e os astros, flor intensa. Nascida do silêncio, a lua cheia Dá vertigens ao mar e azula a areia, E a terra segue-a em êxtases suspensa. Sophia de Mello Breyner Andresen

Street Scene

Xu RongChu

Chinese Village

Xu RongChu

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos detidos: hei-de partir quando as flores chegarem à sua imagem. Este verão concentrado em cada espelho. O próprio movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias internos. Vou morrer assim, arfando entre o mar fotográfico e côncavo e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas o sangue que se agrava. Está cheio de candeias, o verão de onde se parte, ígneo nessa criança contemplada. Eu abandono estes jardins ferozes, o génio que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva aos precipícios de agosto, e a mansidão traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas. Cada dia é um abismo atómico. E o leite faz-se tenro durante os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro que talha no calcário a rosa congenital. A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos. O verão é de azulejo. É em nós

Lira Romantiquinha

Por que me trancas o rosto e o sorriso e assim me arrancas do paraíso? Por que não queres deixando o alarme ( ai, Deus: mulheres) acarinhar-me? Por que cultivas as sem-perfume e agressivas flores do ciúme? Acaso ignoras que te amo tanto, todas as horas, já nem sei quanto? Visto que em suma é todo teu, de mais nenhuma o peito meu? Anjo sem fé nas minhas juras porque é que é que me angusturas? Minh'alma chove frio e tristinho não te comove este versinho? Carlos Drummond de Andrade

Descreio das palavras de quem me edita

Descreio das palavras de quem me edita, porque são circunstanciais e hipócritas e porque visam os livros e não os homens. Prefiro que não me escrevam, que nada me digam sobre os textos em que canto o meu amor errante nas páginas do orvalho da manhã. Aqui não cantam anjos nem demónios. Tudo se aquieta e apazigua quando faço do longe a última paz que a imaginação me permite perseguir. Wenceslau de Moraes

Aqui nesta praia | 19

Women on a Rock Beach,  Antonio Paolo Antony de Witt

Eis-me, marinheiro sábio, no exílio da terra

Eis-me, marinheiro sábio, no exílio da terra, corpo alongado sobre uma colcha de seda como se estivesse esquecido e perdido do tempo sobre a erva humedecida pelo orvalho, na claridade baça do amanhecer de Kobe. Aqui deixei de saber o que é a pressa, o que é o tempo perseguido na voragem dos dias, o que é o sonho evaporado no temor das viagens. Ancorei neste espanto inominável, neste areal de assombros em que se perde a lembrança e a face e em que nos tornamos outros na memória de nós. Wenceslau de Moraes

A ausente

Amiga, infinitamente amiga Em algum lugar teu coração bate por mim Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus. Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas Como que cega ao meu encontro... Amiga, última doçura A tranquilidade suavizou a minha pele E os meus cabelos. Só meu ventre Te espera, cheio de raízes e de sombras. Vem, amiga Minha nudez é absoluta Meus olhos são espelhos para o teu desejo E meu peito é tábua de suplícios Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim Como no mar, vem nadar em mim como no mar Vem te afogar em mim, amiga minha Em mim como no mar... Vinícius de Moraes

Le Couple

Marc Chagall

Les mariés de la tour Eiffel

Marc Chagall

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos Mas

Ausencia

Habré de levantar la vasta vida que aún ahora es tu espejo: cada mañana habré de reconstruirla. Desde que te alejaste, cuántos lugares se han tornado vanos y sin sentido, iguales a luces en el día.Tardes que fueron nicho de tu imagen, músicas en que siempre me aguardabas, palabras de aquel tiempo, yo tendré que quebrarlas con mis manos. ¿En qué hondonada esconderé mi alma para que no vea tu ausencia que como un sol terrible, sin ocaso, brilla definitiva y despiadada? Tu ausencia me rodeacomo la cuerda a la garganta, el mar al que se hunde. Jorge Luis Borges

Studio by the sea

Tjasa Owen

Ir beber-te

Ir beber-te num navio de altos mastros No mar alto Ó grande noite alucinada e pura, Brilhante e escura Bordada de astros. Para ti sobe a minha inquietação e sobressalto, O meu caos, desilusão e agonia, Pois trazes nos teus dedos A sombra, o silêncio e os segredos, A perfeição, a pureza e a harmonia. Sophia de Mello Breyner Andresen

Viagem

Iremos juntos separados, as palavras mordidas uma a uma, taciturnas, cintilantes - ó meu amor, constelação de bruma, ombro dos meus braços hesitantes. Esquecidos, lembrados, repetidos na boca dos amantes que se beijam no alto dos navios; desfeitos ambos, ambos inteiros, no rasto dos peixes luminosos, afogados na voz dos marinheiros. Eugénio de Andrade

Domingo no mundo | 6

"hora de ponta... A.L. www.olhares.com

Aqui nesta praia | 18

Summer Night (Inger on Shore),  Edvard Munch

Domingo no mundo | 5

Ser Berbere Zé Pedro www.olhares.com

Aqui nesta praia | 17

Women at the beach,  Susan Dorf

Lotus Viewing

Nguyen Thanh Binh

Aqui entre os juncos e as flores de lótus

Aqui entre os juncos e as flores de lótus, compreendi que o inferno e o céu, por mais que os deuses e os livros nos levem a pensar o contrário, estão no coração do homem. Eu conheci ambos deambulando por dentro de mim e fazendo da sombra um desejo de luz e da luz um secreto desejo de sombra. Não foi o Sol que me queimou o rosto, foi o lume das inquietações fatais, e quedei-me assim, apátrida e só, numa terra a que chamo minha mas que faz o longe tornar-se fatalidade. Wenceslau de Moraes

See no Evil, Hear no Evil, Speak no Evil and Do no Evil

Olga Polunin Control and censor what we see, hear only what is deemed correct by ancient rules, tradition bound, by dead fore-fathers long since gone Speak not our thoughts, stay calm, serene These are a woman's treasured charms If womans place is in the home, can here dreams be ever known? Yet forbidden thoughts they must arise from deep within a dampened soul Forbidden fruit, forbidden desire A smouldering heart has secret fire

Mar

I De todos os cantos do mundo Amo com um amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua, Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. II Cheiro a terra as árvores e o vento Que a Primavera enche de perfumes Mas neles só quero e só procuro A selvagem exalação das ondas Subindo para os astros como um grito puro. Sophia de Mello Breyner Andresen

A Century in Review

Hu Haitao

Luar

O luar enche a terra de miragens E as coisas têm hoje uma alma virgem, O vento acordou entre as folhagens Uma vida secreta e fugitiva, Feita de sombra e luz, terror e calma, Que é o perfeito acorde da minha alma. Sophia de Mello Breyner Andresen

Aqui nesta praia | 16

Young Girl on Shore,  Edvard Munch

o soneto encontrado na garrafa

é a ti que eu quero nesta ilha deserta: livro nenhum, quadro nenhum, nem disco (gosto de tanta coisa que faísco mas a escolher assim nunca se acerta). quero trazer-te a ti, ágil, desperta, despenteadamente a cada risco, e viver de algas, peixe e marisco e nunca mais fazer sinais de alerta e os navios ao longe ver passar, enquanto a roupa seca na palmeira (esta ilha tem uma, de maneira que não é só rochedo e à roda o mar). e tu entre corais, náufraga e nua, a boiar no meu peito à luz da lua. in, Laocoonte, rimas várias, andamentos graves Vasco Graça Moura

Domingo no mundo | 4

Sarajevo depois bart www.olhares.com

Melancholy

Edvard Munch

Mélancolie

Edgar Degas

Elementário

O verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em falar do que não pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em não falar do que pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em não falar do que não pode ser dito a quem se quer dizer ou o verdadeiro sentido das palavras é que o poema consiste em falar do que pode ser dito a quem se não quer dizer isto, claro, partindo do princípio de que há um sentido das palavras, verdadeiro, um poema e um a quem se queira dizer. in, Os Fantasmas Inquilinos Daniel Jonas

Domingo no mundo | 3

Reunião em família Marcio Negrão www.olhares.com

Aqui nesta praia | 15

Women on the Beach at Berck,  Eugene Boudin

Se pudesse deitar-me seria aqui:

na cama sempre feita das ervas que não precisaria de desfazer pela manhã nem sacudir seu lençol verde. Se pudesse deitar-me seria aqui: no pêlo plano das ervas. Talvez acordasse vegetal, com uma hera que não se fora por coluna vertebral. in, Os Fantasmas Inquilinos Daniel Jonas

Chop Suey

Edward Hopper