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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2006

A todos os que por aqui passarem nos próximos dias...

The Virgin and Child with Four Saints Francesco Bonsignori Esta época enche-se inevitavelmente de memórias, ecos que nos chegam da nossa infância... Talvez por isso o Natal nos faça sentir pequenos, de inúmeras formas e sentidos. Deixo-vos aqui um poema que faz parte dessa minha memória e que ainda hoje, felizmente, oiço pela voz do meu pai. E assim neste embalo desejo, que cada uma das nossas memórias nos aproxime mais uns dos outros, e que este calor nos faça companhia durante o novo ano que chega. Hymno de Amor Andava um dia Em pequenino Nos arredores De Nazareth, Em companhia De San José, O bom-Jesus, O Deus-Menino. Eis senão quando Vê num silvado Andar piando Arrepiado E esvoaçando Um rouxinol, Que uma serpente De olhar de luz Resplandecente Como a do sol, E penetrante Como diamante, Tinha attrahido, Tinha encantado. Jesus, doído Do desgraçado Do passarinho, Sae do caminho, Corre apressado, Quebra o encanto, Foge a serpente, E de repente O pobrezinho, Salvo e contente, Rompe n'

Madonna and flowers

Natal africano

Não há pinheiros nem há neve, Nada do que é convencional, Nada daquilo que se escreve Ou que se diz... Mas é Natal. Que ar abafado! A chuva banha A terra, morna e vertical. Plantas da flora mais estranha, Aves da fauna tropical. Nem luz, nem cores, nem lembranças Da hora única e imortal. Somente o riso das crianças Que em toda a parte é sempre igual. Não há pastores nem ovelhas, Nada do que é tradicional. As orações, porém, são velhas E a noite é Noite de Natal. João Cabral do Nascimento

Madonna and Child

Olga Polunin Carlo Maratta

Falavam-me de amor

Quando um ramo de doze badaladas se espalhava nos móveis e tu vinhas solstício de mel pelas escadas de um sentimento com nozes e com pinhas, menino eras de lenha e crepitavas porque do fogo o nome antigo tinhas e em sua eternidade colocavas o que a infância pedia às andorinhas. Depois nas folhas secas te envolvias de trezentos e muitos lerdos dias e eras um sol na sombra flagelado. O fel que por nós bebes te liberta e no manso natal que te conserta só tu ficaste a ti acostumado. Natália Correia

The Newborn

Georges de la Tour

Natal à beira-rio

É o braço do abeto a bater na vidraça? E o ponteiro pequeno a caminho da meta! Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, A trazer-me da água a infância ressurrecta. Da casa onde nasci via-se perto o rio. Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! E o Menino nascia a bordo de um navio Que ficava, no cais, à noite iluminado... Ó noite de Natal, que travo a maresia! Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. E quanto mais na terra a terra me envolvia E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me À beira desse cais onde Jesus nascia... Serei dos que afinal, errando em terra firme, Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia? David Mourão-Ferreira

Meu coração tardou

Meu coração tardou. Meu coração Talvez se houvesse amor nunca tardasse; Mas, visto que, se o houve, houve em vão, Tanto faz que o amor houvesse ou não. Tardou. Antes, de inútil, acabasse. Meu coração postiço e contrafeito Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido, Talvez, num rasgo natural de eleito, Seu próprio ser do nada houvesse feito, E a sua própria essência conseguido. Mas não. Nunca nem eu nem coração Fomos mais que um vestígio de passagem Entre um anseio vão e um sonho vão. Parceiros em prestidigitação, Caímos ambos pelo alçapão. Foi esta a nossa vida e a nossa viagem. Fernando Pessoa

À luz da lua | 10

Mother and Child John Macdonald

Y este corazón

Mirta Kupferminc

Passemos, tu e eu, devagarinho

Passemos, tu e eu, devagarinho, Sem ruído, sem quase movimento, Tão mansos que a poeira do caminho A pisemos sem dor e sem tormento. Que os nossos corações, num torvelinho De folhas arrastadas pelo vento, Saibam beber o precioso vinho, A rara embriaguez deste momento. E se a tarde vier, deixá-la vir E se a noite quiser, pode cobrir Triunfalmente o céu de nuvens calmas De costas para o Sol, então veremos Fundir-se as duas sombras que tivemos Numa só sombra, como as nossas almas. Reinaldo Ferreira

Pequena litania para um amor familiar

sê devastador e violento como a tempestade ao abrir as gavetas, ao depor sobre a mesa nenhuma razão que outros conheçam. alimenta-te de mim e de ti, guarda as fotografias em paredes brancas onde nenhuma ave se demore, abre-me as feridas, as mais recentes e as antigas. sê brando e lento como as manhãs de dezembro ao desfazerem-se em neve, esquece os recados, os pequenos delitos escondidos em segredo. os telhados abrigam-nos da maledicência, do azar, daquilo que o tempo gasta em passar sobre nós. leva-me assim, como um acidente entre os dedos. sê luminoso e intenso, ó meu amor, retrato escondido, colecciona os declives, ensina-me essa geografia, sê inocente e puro, mesmo que a noite interrompa a vida e a nossa pele estremeça. deixa que bebamos apenas se o prazer magoar onde nasce a sede, fala-me de mim e de ti, se nos sentarmos nas dunas. Francisco José Viegas