Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de 2008

Espáduas brancas palpitantes...

Succulent Calla Lily Magnolia Blossom Jeffrey Conley

Auto retrato

Espáduas brancas palpitantes: asas no exílio dum corpo. Os braços calhas cintilantes para o comboio da alma. E os olhos emigrantes no navio da pálpebra encalhado em renúncia ou cobardia. Por vezes fêmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos pés um coração de louça quebrado em jogos infantis. Natália Correia

Rose and Driftwood

Ansel Adams

Mount Williamson

Ansel Adams

Tenho-te comigo como uma erva selvagem

Tenho comigo o frio gelado e silencioso da noite. Há uma ténue linha de terra, quase praia, junto ao mar que filtra um pouco do cinzento denso do nevoeiro, e a tua sombra no alpendre, à minha porta, fica agora mais clara e visível, mais perto da dor intensa, do amor refeito e da despedida. Esta partida que é tua, tão ausente, tão perto da espera que aguarda o passar dos meses, o fim do Inverno. Mas tenho-te comigo como uma erva selvagem e forte, como algo que resiste. alma

Chesil beach

Birt Wisle

Fragmento de...

Na praia de Chesil de Ian McEwan "(...) Tudo o que desejava, a única coisa em que conseguia pensar era em si mesmo e em Florence deitados nús na cama do quarto contíguo, finalmente confrontados com essa experiência atemorizadora que parecia tão distante da vida quotidiana como uma visão de êxtase religioso, ou até a própria morte.(...)"

California Kiss

Elliott Erwin

Windflowers

John William Waterhouse

Um aniversário

Meu coração é um pássaro cantante Cujo ninho é um rebento orvalhado; Meu coração é uma macieira Vergando o tronco de frutos pesado; Meu coração é um búzio irisado Vogando na corrente com langor; Meu coração mais que tudo se alegra Porque a meus braços chegou meu amor. Dai-me um dossel tingido de cor roxa; De seda debruada de mil folhos; Bordai nele romãs, pombos alados, Pavões com caudas de mais de cem olhos; Ornai-o de uvas, de rubis e prata, Folhas douradas, pomares em flor; Porque hoje é dia que nasce m´nha vida, Hoje a meus braços chegou meu amor. Christina Rossetti tradução de Margarida Vale de Gato

Ler contra o silêncio | 16

Studying Iman Maleki

2 anos

O hálito azul da tarde faz hoje 2 anos e... vai continuando...seguindo o rastro... Os primeiros encontros Cada momento passado juntos Era uma celebração, uma Epifania Nós os dois sozinhos no mundo, Tu, tão audaz, mais leve que uma asa, Descias numa vertigem a escada A dois e dois, arrastando-me Através de húmidos lilases, aos teus domínios Do outro lado, passando o espelho. Pela noite concedias-me o favor, Abriam-se as portas do altar E a nossa nudez iluminava o escuro À medida que genuflectia. E ao acordar Eu diria “Abençoada sejas!” Sabendo como pretensiosa era a bênção: Dormias, os lilases tombavam da mesa Para tocar-te as pálpebras num universo de azul, E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente. Rios palpitantes por dentro do cristal, A montanha assomando na bruma, mar enfurecido, E tu com a bola de cristal nas mãos, Sentada num trono enquanto dormes, - Deus do céu! – tu pertences-me. Acordas para transfigurar As palavras de todos os dias

Aqui nesta praia | 38

Ondine,  Paul Gauguin

Bem-vinda

Ocorre-me que vais chegar distinta não exactamente mais linda nem mais forte nem mais dócil nem mais cauta somente que vais chegar distinta como se esta temporada de não me veres te tivesse surpreendido a ti também talvez porque sabes como te penso e te enumero depois de tudo a nostalgia existe ainda que não choremos nos corredores fantasmáticos nem sobre as almofadas de candor nem por baixo do céu opaco eu nostalgio tu nostalgias e que me interessa que ele nostalgie o teu rosto é vanguarda talvez chegue primeiro porque o pinto nas paredes com traços invisíveis e seguros não esqueças que o teu rosto me olha como povo sorri e enfurece-se e canta como povo e isso dá-te uma luz inapagável agora não tenho dúvidas vais chegar distinta e com sinais com novas com profundidade com franqueza sei que vou querer-te sem perguntas sei que vais querer-me sem respostas Mario Benedetti

Susmita

Kate Lehman

Indian Summer

Andrew Wyeth

mais longe

fora do tempo é mais longe do que qualquer espelho minha ilha meu incêndio de pedra sobre a corrente assassina de me perder cansa-me de água e de sol inquieta-me do segredo das sementes e do chão tóxico dos vulcões em que me deitei quando a noite me atormentava de não chegares quando a madrugada me matava de partires gil t. sousa do blog falso lugar

Edge | Verse 2

Nicholas Hughes

Recorda

Recorda-me quando eu te abandonar Quando me for sob a terra silente; Quando achares a minha mão ausente, E eu, querendo partir, já não ficar. Quando já não me puderes contar Planos dum futuro que nos não cabe, Recorda-me somente; tu bem sabes Que então será tarde para rezar. Mas se me esqueceres entrementes E depois recordares, não lamentes: Pois se a corrupção te assombrar os dias Com ideias que eu tinha na cabeça, Melhor será que me esqueças e sorrias Do que minha memória te entristeça. Tradução de Margarida Vale de Gato Recorda-te de mim quando eu embora For para o chão silente e desolado; Quando eu não te tiver mais ao meu lado E sombra vã chorar por quem me chora. Quando mais não puderes, hora a hora, Falar-me no futuro que hás sonhado, Ah de mim te recorda e do passado, Delícia do presente por agora. No entanto, se algum dia me olvidares E depois te lembrares novamente, Não chores: que se em meio aos meus pesares Um resto houver do afecto que em mim viste, - Melhor é me esquecere

Cassie´s hand

Allan Jenkins

Não tenhas medo do amor

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra e sente respirar no seu seio os nomes das coisas que ali estão a crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro e as campainhas azuis; a menta perfumada para as infusões do verão e a teia de raízes de um pequeno loureiro que se organiza como uma rede de veias na confusão de um corpo. A vida nunca foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo. Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor da tempestade que faz ruir os muros: explode no teu coração um amor-perfeito, será doce o seu pólen na corola de um beijo, não tenhas medo, hão-de pedir-to quando chegar a primavera. Maria do Rosário Pedreira

Marga eyelashes

Allan Jenkins

Nahoko´s lips

Allan Jenkins

Diz-me o teu nome

Diz-me o teu nome - agora, que perdi quase tudo, um nome pode ser o princípio de alguma coisa. Escreve-o na minha mão com os teus dedos - como as poeiras se escrevem, irrequietas, nos caminhos e os lobos mancham o lençol da neve com os sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido, como a levares as palavras de um livro para dentro de outro - assim conquista o vento o tímpano das grutas e entra o bafo do verão na casa fria. E, antes de partires, pousa-o nos meus lábios devagar: é um poema açucarado que se derrete na boca e arde como a primeira menta da infância. Ninguém esquece um corpo que teve nos braços um segundo - um nome sim. Maria do Rosário Pedreira

Mona

Allan Jenkins

Daria

Allan Jenkins

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti. Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis que alagámos de beijos quando eram outras horas nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu, trazem entre as penas a saudades de um verão carregado de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequ

Elisabeth

Allan Jenkins

Faceless

Manuel Librodo

Há crianças nas árvores que absorvem a noite

Há crianças nas árvores que absorvem a noite, enquanto as estrelas caiem frias no chão, e a luz se esvai pela terra em caminhos húmidos. As crianças que levam os fins dos dias, e correm ensurdecedoras e felizes, prenunciam a noite no sibilar das folhas, e encerram as janelas nas paredes, e nos quartos, verdes e ásperos, um cheiro de éter escorre. Há crianças nas árvores que absorvem a luz pálida da manhã próxima, um dia já fora do nosso alcance. alma

Domingo no mundo | 20

Valencia, 1952 Elliott Erwitt

Quando te dói a alma

Quando estás descontente, quando perdes a calma e odeias toda a gente, quando te dói a alma, quando sentes, cruel, o prazer da vingança, quando um sabor a fel te proíbe a esperança, quando as larvas do tédio te embotam os sentidos, e o mal é sem remédio e a ninguém dás ouvidos, nega, recusa a dor, abandona o deserto das almas sem amor e mergulha o olhar em tudo o que está certo, o mar, a fonte, a flor. Fernanda de Castro retirado do blog fernanda de castro

(Floating)

Christina Sealy

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar

Acordo com o medo do frio que a tua mão me leva ao respirar. No meu ventre aberto as tuas asas batem furiosas e o meu peito pára. Cruzo as mãos sobre as águas salgadas onde os bicos dos pássaros mergulham, agudos e ácidos, levando-me nas dores que já não são minhas. Sopram-me rasgadamente pelo ar cinza irrespirável, e não há tréguas, nem perdão. Existe sim um fim súbito, recusado e prolongado, e a alma escurecida e culpada, sobrevive. alma

À luz da lua | 24

The newborn Georges de la Tour

(Wendy)

Christina Sealey

meu amor, meu quente marulhar

meu amor, meu quente marulhar das águas ancestrais, meu alvoroço terno das manhãs, há um vaporzinho no ar percorro a linha fina do teu corpo, o seu desenho ainda ensonado, e és para mim toda a realidade nesse instante. há roupas, sim. roupas que vais vestindo, algum creme que pões, uma cama desfeita, um leve baloiçar das árvores lá fora e o sol de inverno a alastrar nas vinhas. Vasco Graça Moura

(Study 2), (Study 3)

Christina Sealy

Sleeping women

Colin Watson

O tempo que o sono come

O verde gelou, e as almas perdem-se rasteiras, sonâmbulas. Tudo agora tão branco e esquelético, e um cheiro a incenso e alfazema, como se estivessemos guardados, desde sempre, numa gaveta. A madeira range quando pensamos respirar, como um aviso, uma ameaça velada, e há um choro tardio que fica para trás... uma ladaínha breve a marcar o tempo que o sono come. alma

Ler contra o silêncio | 15

La Liseuse Jean Honoré Fragonard

canto contra este silêncio

canto contra este silêncio que é da minha solidão e o meu canto à noite vence-o no bater do coração canto contra este silêncio e a cantar ando na lua percorro a terra em segundos, junto a minha boca à tua, conheço mundos e mundos, e a cantar ando na lua se me calo, volta a treva e essa tristeza tamanha de quem tão alto se eleva e tão baixo se despenha, se me calo, volta a treva melodias leva o sonho como o vento pela barra quando adormeço e me ponho a sonhar junto à guitarra melodias traz o sonho canto contra este silêncio que é da minha solidão e o meu canto à noite vence-o no bater do coração canto contra este silêncio Vasco Graça Moura

Reflection

Jennifer Anderson

england [in a graceful manner]

partiste, em dia que vai longe, e a metade do coração que deixaste comigo, emudeceu, ao se criar um visgo, em cima da fissura antiga. deu-se, afinal, como se repetisse a mística de quem erra, o meu exílio, aquela sonolência eterna e quase indivisível. que é estar sozinho, com o oceano, às vezes longo muro, e outras como abismo. Carlos Henrique Leiros do blog Almofariz

Conscience

Jennifer Anderson

Breve Apontamento sobre Viagens

Estarei no lado escuro da noite, o lado onde os sonhos metalizam e oxidam de espera, de esquecimento. Serei breve nos sons, e no olhar, como uma criança de rua, dir-te-ei porque choro. Estarei no lado comum dos que resistem. As fendas douradas do tempo iluminarão os cantos esconsos onde me esconda, e a todos aqueles que se sentarem em meu redor e chorarem comigo, beijá-los-ei como irmãos derradeiros. Fernando M. Dinis do blog FICO ATÉ TARDE NESTE MUNDO

O beijo

Edvard Munch

kopenhagen script

1 as árvores furiosamente nuas largam os seus pássaros negros num outro mês qualquer e as estradas separam as folhas rolam as pedras cansadas de sol para que o sul seja um lugar onde a água espera e o destino se esconde em forma de ilha que mão amputar se assim nos pedem o frio? 2 são tão largas as horas que se consegue ver a solidão dum comboio vermelho a raspar a noite como homens à procura de uma porta definhando gloriosamente nas suas estações de desespero 3 pelas gárgulas das catedrais escoam-se noites antigas que homens pacientemente sábios recolhem letra a letra a neve, tão mansa, guarda-lhes a sombra e os passos que numa janela alta e distante um outro homem há-de ler 4 às vezes os navios doem como ópio num pulmão derrotado ou como quando tu ficas no impossível meridiano da ausência e eu te aceno de um silêncio que é quase a loucura dos pássaros gil t. sousa do blog #poesia

havia o vento frio e o som que fazia...

Stob Dubh, Glen Etive, Glencoe Reflected sun, Grobsness, Shetland Walls near Ulpha, Cumbria Barbary Castle clump, Spring Fay Godwin

Como viver. o que fazer

Ontem à tardinha a lua nasceu sobre esta rocha Impura sobre um mundo inexpurgado. O homem e seu companheiro pararam Para descansar perante a heróica altura. Friamente o vento caiu sobre eles Em muitas majestades de som: Eles que tinham deixado o sol de chama caprichosa Em busca de um sol de fogo mais intenso. Em vez disso havia esta rocha tufada Elevando-se massivamente alta e nua Para lá de todas as árvores, os cumes atirados Como braços gigantes por entre as nuvens. Não havia nem voz nem imagem cristada, Nenhuma corista, nem padre. Havia Apenas a grandiosa altura da rocha E os dois parados de pé a descansar. Havia o vento frio e o som Que fazia, longe do esterco da terra Que tinham deixado, som heróico Alegre e jubiloso e seguro. Wallace Stevens traduzido por Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos

The bride

Gustav Klimt

Sleeping woman

Man Ray

The virgin

Gustav Klimt

A meu favor

A meu favor Tenho o verde secreto dos teus olhos Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor O tapete que vai partir para o infinito Esta noite ou uma noite qualquer A meu favor As paredes que insultam devagar Certo refúgio acima do murmúrio Que da vida corrente teime em vir O barco escondido pela folhagem O jardim onde a aventura recomeça. Alexandre O´Neill

Palavras

Machados, depois do seu golpe a madeira ressoa, e os ecos! Ecos que partem do centro, semelhantes a cavalos. A seiva jorra como lágrimas, como água capaz de lutar para refazer o seu espelho sobre uma rocha que cai e se transforma, uma branca caveira consumida pelas ervas daninhas. Anos depois encontro-as na estrada... Palavras secas e sem cavaleiro, infatigável ruído de cascos. Enquanto do mais fundo do lago as imóveis estrelas regem a vida. Sylvia Plath traduzida por Maria de Lourdes Guimarães

Pela água

Um lago negro, um barco negro, duas pessoas negras em papel recortado. Para onde vão as árvores negras que bebem aqui? As suas sombras devem cobrir o Canadá. Das flores aquáticas sai filtrada uma luz ténue. As suas folhas não querem que nos apressemos: São circulares e sem relevo, cheias de conselhos obscuros. Mundos frios agitam-se com os remos. O espírito da escuridão está em nós, está nos peixes. Um ramo submerso ergue uma mão pálida em despedida; as estrelas abrem-se entre os lírios. Não ficas cego com a mudez de tais sereias? Este é o silêncio das almas já perturbadas. Sylvia Plath traduzida por Maria de Lourdes Guimarães

Mundo

World #23 Ruud van Empel

O jardim do solar

As fontes estão secas e as rosas acabaram. Incenso da morte. O teu dia aproxima-se. As pêras engordam como pequenos budas. Uma névoa azul prolonga o lago. Moves-te atravês da era dos peixes, dos presumidos séculos do porco... A cabeça, os dedos dos pés e das mãos saem nítidos da sombra. A História alimenta estas caneluras quebradas, estas coroas de acantos, e o corvo vem arranjar as suas vestes. Tu herdas a urze branca, uma asa de abelha. Dois suicidas, os lobos da família, horas de escuridão. Algumas estrelas isoladas já iluminam os céus. A aranha na sua própria teia atravessa o lago. Os vermes abandonam as suas casas habituais. As pequenas aves convergem, convergem com as suas dádivas para um difícil nascimento. Sylvia Plath traduzida por Maria de Lourdes Guimarães